Foram semanas de aflição, dor, desespero, mas também de muita fé. Era uma sexta feira, eu estava chegando da escola com meu irmão e um amiguinho. Estávamos felizes, pois íamos passar o final de semana na praia. Mas, foi por tanta euforia que tudo aconteceu.
Sabe quando as mães falam: “não corre, menino!”, pois é, foi assim. Descemos do carro, os três correndo, a área de entrada sendo lavada e uma porta de vidro à frente. Foi inevitável, o escorregão aconteceu e eu, pra proteger o rosto levanto o braço, que atravessa o vidro, estilhaçando-o.
Ainda pequeno, com apenas 6 anos, assustado, sem saber muito o que fazer, no reflexo, puxo o braço em minha direção, que, mais uma vez passa pelo vidro sendo cortado ainda mais.
Nesse momento, em meio a gritos e desespero, as duas outras crianças chorando, e sangue esguichando sem parar, aparece meu pai. Me lembro como se fosse hoje, com uma calma inacreditável, em silêncio, retira uma toalha branca, com estampa do Mickey do varal e começa a enrolar no meu braço, buscando colocar no lugar toda parte cortada pendurada.
Nem preciso dizer dos cacos de vidro dentro do braço, da toalha já toda vermelha e da correria para ir ao hospital mais próximo na cidade. Do percurso só lembro da buzina disparada o tempo todo e o trânsito intenso da tarde.
Mais de 40 anos se passaram e ainda tenho nítido na minha memória o momento em que estava deitado na sala de cirurgia, as luzes fortes no meu rosto, a enfermeira tentando colocar a máscara com o sedativo e eu me debatendo, até que apaguei.
Foram horas de cirurgia, mais de uma centena de pontos internos e externos e um prognóstico nada positivo. Havia poucas condições na época, pouco podia se fazer a não ser conter a hemorragia e tentar salvar o braço.
Mesmo pequeno, eu entendia o que o médico explicava aos meus pais. Na melhor das hipóteses eu iria ter o braço, mas, não teria os movimentos dos dedos perfeitos, talvez nem os tivesse, pois os cortes foram profundos. Teria que fazer um enxerto porque o corte havia sido do punho ao cotovelo, mas essa cirurgia teria que ser posterior. No dia a própria carne e pele do braço foi usada para fechar o estrago que havia acontecido. Não era nada bonito de se ver.
Não sei quanto tempo se passou, lembro pouco dos dias no hospital. Apenas me recordo que meu irmão, que só tinha 3 anos não podia subir pra me visitar, então, eu ia até a janela para vê-lo lá em baixo e acenar.
O braço estava todo emplastrado de pomada e envolvido por muitas gazes, pesava. O médico alertou que as unhas, que já estavam bem roxas, ficariam pretas e pudessem cair. E, que talvez, um forte odor pudesse ser sentido, caso não houvesse regeneração. Dias se passaram e fui pra casa.
Meus avós maternos moravam bem perto, passavam em casa todos os dias. Meu avô carregava um frasquinho de azeite no bolso sempre, pra orar e ungir quem ele encontrasse e precisasse, seja no lugar que fosse. Eu sabia disso porque sempre que adoecia eu pedia que ele orasse e me ungisse (apesar de que confesso que não gostava muito as sensação do azeite na testa).
Era sábado, meus avós passaram em casa depois de um culto de Ceia na igreja, lotada de pessoas orando a Deus para que houvesse um milagre. Ele veio em casa e foi me ungir, mas, naquele dia eu pedi que ele ungisse meu braço, não a minha testa, porque era o braço que precisava da unção. Eu queria que tirasse o curativo. Ele deu uma gargalhada alta, como de costume. E, com toda paciência me explicou: meu filho, eu não posso tirar o curativo do médico, mas vou fazer o seguinte, vou fazer um curativo de Jesus.
Meu avô pegou um lenço de pano, o ungiu e o colocou sobre o curativo no meu braço, prendendo-o com um esparadrapo e orou. Eu adormeci.
Continua…
Prof. Jefferson B. Macedo